quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Ilusório



Hoje acordei, mas é como se eu continuasse dormindo... Não sei ao certo se acordei mesmo ou se estou sonhando.
Sei que pessoas passam o tempo todo por mim, escuto vozes, e telefones tocando, mas eles não me veem, não sentem minha presença.
Vejo o sol tocar em mim, mas meu corpo não sente o seu calor, continua sem reagir.

O que será que está acontecendo?

Aos poucos fui sentindo o vento frio e depois a lenta chuva que passou por toda manhã e ainda voltou algumas vezes durante o dia. A cidade foi entardecendo em brumas. Então, fui esquecendo o trabalho os compromissos, fui sentindo aos poucos uma brisa agradável. Percebo o capim cheio d'água, molhava os sapatos e as pernas da calça; o mato escurecia sem vagalumes nem grilos.

Pus as mãos levemente no tronco de uma árvore pequena, sacudi um pouco, e recebi nos cabelos e no rosto, as gotas de água como se fosse uma bênção. Ali perto mesmo a cidade murmurava, estalava com seus ruídos vespertinos, ranger de buzinas impaciente de carros, vozes indistintas; mas eu via apenas uma árvore, um canto de mato, uma pedra clara e aos poucos fui sentindo um sono agradável.

Por um longo instante, voltei meu pensamento para os milhões de atos falhos da vida que vivia. Lembrei aquele amigo que poderia ter visitado por quem sempre fui cobrado, do livro que poderia ter lido, pensei na pessoa que está distante agora e que me faz tão bem, lembrei que eu poderia ter dito mais “eu te amo”, poderia ter vivido mais no limite, poderia ter feito ou deixado de fazer mais, poderia ter feito mais descobertas, poderia ter errado mais ao invés de sempre procurar fazer o correto, e talvez aprender com meus erros, poderia ter beijado na chuva, receber um elogio sincero, passar o dia todo de pijama, reunir a família, poderia ter aceitado mais ao invés de ponderar, poderia ter chorado mais ao invés de engolir o choro.

E pouco a pouco, fui sentindo uma paz naquele começo de escuridão, senti vontade de deitar e dormir entre a erva úmida, de se tornar um confuso ser vegetal, num grande sossego, farto de terra e de água; ficaria verde, emitiria raízes e folhas, meu tronco seria um tronco escuro, grosso, meus ramos formariam copa densa, e eu seria, sem angústia nem amor; sem desejo nem tristeza, quieto, imóvel e feliz.

O que adianta pensar no que fiz, e o que não fiz...

Estou morto!

"Viva o momento presente com intensidade. Pare alguns minutos para refletir. Agradeça por estar vendo um arco-íris, por sentir uma brisa no rosto, diga sempre que poder “eu te amo” verdadeiramente. Não reclame se está chovendo o dia inteiro. Quando der, saia na chuva para andar".


Flávio Vilar.



Um agradecimento em especial para minha amiga Aninha França "xerim"... Pois sua participação foi fundamental para inspiração do texto.